27 de janeiro de 2010

Cada um em seu lugar



Um filho possui diferentes significados que variam de casal para casal e dentro da relação cada um possui uma forma diferente de amar.
Na vida de um homem, a paternidade tem um lugar bastante privilegiado devendo ser acolhida principalmente quando são encontradas algumas dificuldades em demonstrar amor.

O homem sente, em sua origem instintual, uma enorme satisfação em dar um bebê à mulher realizando um desejo primitivo e fazendo-a feliz. Ele (co) participa diretamente da gestação assim como na criação dos filhos. Muitos homens orgulham-se muito em dizer “estamos grávidos”.  Um bom pai, o que não precisa ser algo tão excepcional ou surpreendente assim, encontra satisfação na medida em que começa a descobrir profundos sentimentos protetores e inicia o exercício de sua paternidade com as lembranças de sua própria infância, na relação com seu próprio pai ou possuindo um ideal de pai criado em sua imaginação.

Para homens e mulheres, o significado de um filho supõe trazer uma renovação de sua própria infância e juventude na medida em que todos os momentos de desenvolvimento do filho abrem espaço para que o adulto se expresse revelando sua própria experiência de forma sutil.

Um ponto interessante é o vínculo criado a partir das dificuldades que o filho apresenta onde, então, a relação leva ambos à uma forte identificação, favorecendo o desenvolvimento tanto do filho quanto do pai. Toda mulher gosta de ver um homem expressar seus aspectos infantis junto às crianças!

A mãe exerce um papel fundamental e o pai possui uma importante função de complementariedade única e insubstituível. Os papéis familiares devem ser fortalecidos e nunca modificados. A instituição familiar tem trilhado um percurso bastante difícil onde o lugar de cada um muitas vezes está desocupado ou, o que é pior,  parece não estar corretamente preenchido por seu integrante, desobrigando cada um de suas responsabilidades e imputando culpa ao outro.

Quando a vida está alicerçada no amor e na compreensão as relações se fortalecem, homens e mulheres aprendem a dividir o melhor de si e ainda aprendem com seus filhos.



25 de janeiro de 2010

Ele é meu



“O ser humano é muito difícil de ser entendido. Diz que ama, mas trai ou mata. Põe um filho no mundo, mas se arrepende e abandona. Prejudica a natureza, mas não vive sem ela. Agora eu pergunto à você: amo o meu marido, mas desconfio dele. Ele não comemora datas importantes junto à família dele por minha causa. Não falo com a tia dele. Ano passado ele brigou com o irmão e eu quase briguei também. Graças à Deus eles voltaram à se falar e a paz reina entre todos da família. Mas, segundo meu marido, não teria clima se eu estivesse junto à família dele. Sei que sou muito ciumenta, chata, intrigueira. Acho que sou uma boa dona de casa, mas sei que isso não é tudo. Às vezes tenho vontade de falar com a mulher do meu cunhado, mas me falta coragem para escutar a verdade. Gostaria muito da sua ajuda.”

Sua vida parece misturada com a de seu marido. Você não sabe mais quais são as suas próprias questões e quais são as dele. Não há separação. Porque você acha que deve se envolver nas brigas dele com a família? Em todo casal deve existir uma linha invisível separando a vida de cada um. Viver junto significa viver com alguém que se ama, respeita e permite ser amado apesar das diferenças.

Conviver com as diferenças é dominar a arte do bem viver. Exige prática diária e, como todo aprendizado, requer tempo e paciência.

Você diz que não fala com algumas pessoas da família dele. Entre vocês dois a comunicação também parece comprometida. Subjacente ao diálogo existe desconfiança. A briga é a dificuldade de um diálogo maduro quando as opiniões divergem, impossibilitando a convivência de uma forma harmoniosa e partindo-se, então, para a agressão verbal.

Você sabe o que acontece com você e o que poderia ter feito para que as brigas não acontecessem. Porém ter consciência disso não basta para que você mude. Algo inconsciente a impulsiona e você age dessa maneira. Ser boa “dona” de casa não quer dizer ser dona de tudo, incluindo o marido. Ele é uma pessoa, você outra. Porque você cria condições para afastá-lo dos parentes e quer manter o relacionamento assim, sem dividi-lo com o resto do mundo?

O impulso agressivo sempre retorna mesmo sabendo que poderia ter agido de uma forma apaziguadora no calor das emoções. Claro que é possível recomeçar, mas você deve procurar saber porque age sempre da mesma forma.



21 de janeiro de 2010

Transexualidade




“Sou transexual e tenho muita dificuldade em me aceitar. Aproveito para te perguntar o que faz um ser humano ser transexual? Nasce assim ou são os acontecimentos da infância que mudam o destino? Todo transexual tem algum problema físico ou mental que faz com que tenha vontade de ser do sexo oposto? Não consigo entender os estudos que dizem que é opção de vida. Queria ser homem, mas não consigo. Algo mais forte me leva a pensar como uma menina, a sonhar com os meninos, a me vestir como uma moça. Não é safadeza, mas gosto de estar vestida e produzida como uma mulher. Passar batom é uma coisa fantástica, um sentimento maravilhoso. Receber uma cantada de um homem, mesmo que pela internet, fico com meu coração tremendo de felicidade. Tenho todos ou quase todos os sentimentos femininos e não consigo entender o porque. Nunca tive coragem de me abrir com as pessoas.”

Você parece viver sob a pressão de um problema de identidade. Quem eu sou?
A distinção entre sexo e gênero envolve um grupo de determinantes físicos e psíquicos. Sexo tem a ver com prazer e função sexual. Gênero diz respeito à diferença entre masculino/feminino e precede o sexo. Possuir um corpo de homem ou um corpo de mulher nada significa no domínio dos impulsos sexuais. Uma identidade sexual permite à pessoa poder passar por toda a vida, da infância à velhice, por mudanças sem, no entanto, perder a capacidade de permanecer a mesma pessoa.

As experiências no período da infância estruturam a pessoa. Aos registros do primeiro período da vida quando se inscrevem imagens, experiências e recordações podem ser acrescentados resquícios das relações com os pais e pessoas do seu meio. No transexual, além dessas mudanças e informações, inclui-se a transição de um sexo para outro, algumas vezes afetando a identidade pessoal como você afirma no início do email.

O transexual não possui um problema físico ou mental. Ele possui uma realidade psíquica assim como os homossexuais e heterossexuais também possuem. Cada um à sua maneira. Existe uma distinção entre o sentido de identidade sexual e o sentido de identidade separado da sexualidade.

Enfrentar o domínio do sexo anatômico e conseguir alcançar a representação psíquica da sexualidade não constitui uma tarefa fácil. Somente em análise você conseguirá entender seus processos psíquicos e o que o conduziu à essa mudança. Porém negar a própria sexualidade reforça cada vez mais a dificuldade nas relações e aumenta o preconceito.

18 de janeiro de 2010

Dúvida





“Resolvi escrever para tirar uma dúvida. Não sei se é verdade, mas a psicologia explica porque o filho mais velho sofre em certos aspectos? Será fruto da inexperiência dos pais? Tenho um irmão mais novo. Pessoas que acabam de nos conhecer tem a impressão de que sou mais novo que ele. E é exatamente o contrário. Não sei se na aparência ou no comportamento. Sou mais expansivo e ele é mais fechado. Já ouvi várias vezes coisas do tipo ‘nossa, pensei que ele fosse o mais velho e não você.’ E, de alguma forma, isso me incomoda demais. Quando era mais novo fui muito tolhido. Tudo o que eu queria fazer (de saudável, é claro) recebia um não. Não tinha apoio quando ia tomar uma decisão. O não era uma resposta certa. Fui crescendo assim. Por isso sou muito inseguro na hora de tomar decisões. Ao contrário do meu irmão mais novo.”
 

Você não informa a sua idade e a de seu irmão. Tampouco a dinâmica familiar, ou seja, se você e seu irmão são filhos dos mesmos pais. Tem outros irmãos? Os pais viviam juntos ou trocaram de parceiros quando você e seu irmão eram pequenos? Diante da escassez de informações vamos olhar somente a situação relatada.

Na infância a relação de dependência dos pais é natural e necessária. A criança deve ser introduzida ao mundo e cabe aos pais nomear tudo o que a cerca. Inicia-se, portanto, um longo aprendizado que continuará de forma independente por toda a vida. Em algum momento essa atenção exclusiva teve que ser dividida com a chegada de um irmão. Esse momento é crucial para o mais velho, pois lhe será apresentada uma nova realidade durante a gestação: “esse é o seu irmãozinho”, “ele também é seu”, “você vai cuidar dele também”. Coisas assim.

Quando nasce um irmão, toda criança sente ciúmes, o que é bastante natural e não há nada de perturbador nisso. Ela é acometida por um sentimento de perigo e, portanto, sente-se ameaçada. A criança, confusa, reage à essa realidade identificando-se com o recém chegado e regride comportando-se como um bebê com o objetivo de resgatar a atenção exclusiva que lhes era destinada anteriormente. Cabe aos pais ajudar a criança à superar esse momento de dificuldade proporcionando acolhimento e adotando uma postura compreensiva em relação ao filho mais velho. A respeito dos ciúmes, esse tipo de conflito tende a se resolver na infância. Superado isso, a criança retorna ao seu desenvolvimento pessoal.

Algumas vezes, mesmo com o passar dos anos, o filho mais velho sente-se ameaçado, tem medo de crescer. Um comportamento expansivo pode revelar um desejo inconsciente de permanecer criança e resgatar o que acredita lhe foi tirado como amor, proteção, exclusividade, impedindo-o de situar-se no presente. O ciúme é a única possibilidade de comunicação devido à falta de entendimento sobre o que, de fato, acontece com você.

Todo casal é inexperiente em relação ao primeiro filho. E em relação aos próximos também. Cada filho é de um jeito, é diferente do outro. É único.

Porque será que tudo o que você queria fazer tinha um não como resposta? Será que o seu comportamento correspondia à sua idade? Ou será que o seu ‘comportamento expansivo’ era traduzido pelos seus pais como imaturidade e lhe davam uma negativa para protegê-lo? Porque você precisava da aprovação deles para fazer algo que, de antemão, considerava ‘saudável’, mesmo sabendo que receberia um não como resposta? Responsabilizar-se pelos próprios atos inofensivos e saudáveis mesmo que venham a ser um sucesso ou um fracasso pode ser um bom começo. O filho mais velho quer a atenção que lhe é devida, quer o amor dos pais. De fato, você está no lugar de filho mais novo, porém guardar ressentimentos contra os pais ou sentir-se perturbado quando não o reconhecem como primogênito não o ajudará a lutar pelos seus direitos de viver de forma madura e responsável.



13 de janeiro de 2010

Diferenças


Em um grupo que conversava sobre viagens, perguntaram-me em qual lugar moraria caso estivesse fora do Brasil. 
- Alemanha, respondi. 
- Por quê? 
E dei minhas justificativas a respeito do que me agrada naquele país. 
Um dos presentes respondeu: 
- Não moraria lá de jeito nenhum! Terra de nazistas! - referindo-se ao maior psicopata da História da Humanidade e autor do maior genocídio de todos os tempos. Na verdade sua nacionalidade era austríaca e sabemos que um enorme contingente de seu exército era formado por alemães. Mas o povo alemão se envergonha desse momento do passado. E eu devo obviamente entender a revolta do meu interlocutor. No entanto se tomarmos o raciocínio do meu amigo como correto, poderíamos supor a inexistência de cristãos no mundo, pois a Inquisição foi outro desastroso momento de extermínio em massa executado, dessa vez, pela Igreja. 


De fato, tudo isso mostra uma total falta de informação revelando, o que na verdade importa, o que o sujeito carrega dentro de si. O preconceito. As pessoas parecem contaminadas por esse mal e nem sabem o porquê. São vítimas de uma cilada massificadora? Talvez. 


Parece não existir nada plausível que justifique esses pensamentos ou ações e infelizmente esses grupos ainda podem ser encontrados em qualquer lugar, aqui ou lá. E matam pelo mesmo impulso. Da mesma maneira que se matam índios, mendigos, homossexuais, crianças ou espancam-se domésticas negras ou brancas. Há pouco tempo também são alvo de ódio coletivo os muçulmanos, evangélicos, chineses e outros tantos grupos. 


O preconceito existe por conta do desejo de aniquilar o outro. 


Uma vez atendi um jovem adolescente, classe média/alta que afirmava não gostar e, segundo ele, ter “até uma certa implicância”, como ele mesmo disse, em relação à um novo colega de classe que era negro. Perguntei: “Mas o que ele fez à você?” Ele me respondeu: “Nada. Puxei ao meu pai. Não gosto de judeu e negro.” Podemos afirmar então que o preconceito, a nível consciente, é injustificável. É um germe que parece ainda sobreviver pelo desejo do sujeito em ser contaminado. Aparece como algo mortífero. Socialmente hereditário. 


O preconceito é um grande impedimento das relações em todo o mundo. Tanto para o sujeito preconceituoso quanto para a vítima do preconceito. Cristaliza o sujeito, impedindo-o de desenvolver sua criatividade, limita seu raciocínio, suas ações, destrói a espécie. Portanto é a maior prova do quanto o ser humano é capaz de maltratar o outro. Piegas?? Pode até parecer. Mas MUITO verdadeiro. 




Existe uma frase popular que diz: “O homem é o único animal que destrói o seu semelhante.” Simples e verdadeiro. Esse sintoma aparece na atualidade como um traço de caráter revelando um sujeito autocentrado, narcísico, acreditando ser melhor do que o outro. Que consegue formar um grupo de muitos amigos. Todos virtuais, pois a cada vez que precisa conviver com a diferença terá que colocar à mostra as raízes de sua imperfeição e limitações. Como diria o meu conhecido, “terra de nazistas”. Sim, é verdade. Toda violência, pensada dessa forma, é nazista em qualquer lugar, pois sugere a intolerância à diferença em doses letais. Se o outro é melhor ou pior, não é disso que se trata. Mas o ódio ao outro revela o que de fato não suportamos dentro de nós mesmos. “Ele tem o que eu não tenho” ou “ele tem algo que era suposto ser exclusivo meu”. Essa presença intolerável já havia sido escrita por Freud em 1929 em Narcisismo das Pequenas Diferenças e confirma-se ao longo da História da Humanidade. Ainda nos dias de hoje grupos se reúnem para canalizar a violência contra o corpo do outro de forma predatória revelando a pobreza que não suportam em si mesmos.