16 de abril de 2009

Fa$$mirrí e mega sena

Como sempre faço no início de cada mês, paguei a secretária do consultório e fui retribuída com um grande sorriso e a seguinte afirmação: “Ôba, lá vem o fassmirrí”. Perguntei que idioma era aquele e bem devagar ela me diz “esse é o faz-me rir” explicando sem hipocrisia e com muita naturalidade que o dinheiro a deixava muito feliz.

Depois encontrei com um conhecido que joga na mega sena há muitos anos e quando já estava acumulada na casa dos 20 milhões, fiz referência ao prêmio e ele me disse: “Nem quero ganhar isso tudo sozinho”. Intrigada perguntei o porque em não querer toda aquela quantia já que ele jogava há tantos anos e, portanto, nutria o desejo de ficar rico. Ele me responde: “Ah, sei lá. Não sei como seria. É muito dinheiro, não quero tudo isso, não”, revelando uma imprecisão a respeito do que sentiria ou se tornaria caso recebesse um prêmio vinculado à responsabilidade de algo desejado por milhões de pessoas.

Apesar das dificuldades materiais em que vivem muitas pessoas não conseguem se libertar de registros que determinam suas ações. Ensinamentos na infância que ecoam por toda a existência e que limitam o cotidiano transformando a vida em uma sucessão de acontecimentos repetitivos apesar do desejo que algo diferente (e mágico!) aconteça.

Trocando em miúdos, querer uma vida com dinheiro, de forma criativa, trabalhando no que se gosta, “é para os outros”.

Por pelo menos uma vez todos já ouviram algum desses aforismos:

* O dinheiro é a raiz de todo o mal.

* Rico nesse país, só roubando...

* Guarde para os dias difíceis.

* Rico não tem coração (sentimento, bondade, compaixão)

* Dinheiro não nasce em árvore

* Você acha que sou feito de dinheiro?

* Tenho cara de banco para você me pedir dinheiro todo dia? Eu mesma ouvi algumas dessas na minha infância e as que me recordo são “todo rico é ladrão” e a famosa “não tenho um centavo”.

O dinheiro é um símbolo de troca. Trocamos nosso trabalho (conhecimento, mão de obra, força física) por dinheiro. E esse dinheiro será trocado por algum bem de consumo ou de bem estar. Simples assim. Na maioria das vezes nem chegamos à tocá-lo. Ele aparece na tela do caixa eletrônico ou do computador e temos a grata satisfação de que algo que fizemos nos rendeu frutos e proporcionará algo que desejamos.

O dinheiro nem existe. O dinheiro é virtual. A grande questão do dinheiro é que sobre ele é colocada uma enorme quantidade de símbolos por conta do resultado de tudo o que vivemos e ouvimos na infância transformando, o que era para ser um meio, em símbolo. Símbolo de poder, beleza, sucesso, felicidade. Mas também de corrupção, ganância, desvalia e sujeira. Pessoas que gostam de (ganhar) dinheiro têm receio de que os outros o considerem desprovido de algum valor, sensibilidade ou amor revelando um senso de culpa ligado à esse desejo. Somente se libertando desse condicionamento do passado, saindo da condição de vítima é possível dar o correto valor ao dinheiro.

Esse escrúpulo em torno do dinheiro é parte da condição humana e não há nada de novo nisso. Em 1913 Freud já afirmava que “as questões de dinheiro são tratadas pelas pessoas civilizadas da mesma maneira que as questões sexuais – com a mesma incoerência, pudor de hipocrisia”.