27 de março de 2010

Todos os filhos de Nardoni e Jatobá


O assassinato de Isabela Nardoni envolve uma série de particularidades processuais que fez despertar uma tendência na população. Todos parecem ter a capacidade de julgamento. Em meio à manifestações populares com desejo de punição uma me chamou atenção e fez renascer uma esperança no meio de uma sociedade que julga parecendo querer mais sangue. Dizia: “Isabela deve ser justiçada e não vingada.” Isso me fez crer que algum lado sensato e ponderado ainda resistia na história da vida. Definitivamente culpados, o que é justo agora se fará cumprir.

Se tivessem sido inocentados Alexandre Nardoni e Ana Jatobá arrastariam sua “sentença de liberdade” para outras vítimas, os 2 filhos menores do casal.
Considerando que um filho tem sempre a melhor impressão dos próprios pais, os filhos do casal carregariam a marca social de serem filhos dos assassinos de sua própria irmã. Marca indelével que permanecerá não apenas neles, mas em todos nós. A criança empalidece perante a vida, pois vive em permanente estado de alerta sentindo-se ameaçada por tudo que a cerca. Todos nós sentimos essa coisa. 

Segundo o Laboratório de Estudos da Criança da Universidade de São Paulo, 100 CRIANÇAS MORREM POR DIA no Brasil vítimas de abuso sexual e psicólogico, negligência e violência física e em 70% dos casos os agressores são os pais biológicos.

Tende-se a afirmar que os pais amam seus filhos da mesma maneira e na mesma proporção. Isso é um grande mito. Existem sentimentos profundamente enraizados contrários ao que se supõe ou afirma. Um pai que mata um dos filhos e “preserva” os outros revela de forma clara e brutal que faz “diferenças” entre eles. Ama-se um mais do que outro e um sentimento de culpa é despertado no filho amado sobrevivente. Os ciúmes entre irmãos é a expressão da rivalidade no amor. É natural e necessário na construção da subjetividade. Porém nesse caso ele é atravessado por um elemento novo. A punição pelo desejo de amar e ser amado. Na verdade o desejo de aniquilar o outro sempre existiu no inconsciente. “Não aguento mais. Quero que você morra!” Frases populares como essas fazem parte do cotidiano entre pais, filhos e irmãos. São frases comuns. Mas a passagem ao ato é de outra ordem.

Com a facilidade, rapidez e detalhamento dos fatos pelos canais de informação milhões de crianças e jovens se confrontam com a dura realidade que Isabela viveu e que todos vivemos. Que um pai pode matar. A condenação nos livrou deles. Temos a impressão de que estamos seguros, porém milhares de crianças morrem todos os anos vítimas de pais, mães, padrastos, madrastas, tios, vizinhos. João, Pedro, Maria, Anônimo. A justiça se cumpre pela pressão social, mas ninguém venceu. Isabela perdeu a vida e vamos ficar aqui sustentando a angústia de que  perdemos a nossa um pouco também.