24 de dezembro de 2009

Os milagres do Natal



Tempos atrás atendi uma paciente de 10 anos que, segundo sua mãe, era “muito tímida”. Suas professoras me alertaram, “ela é muito fechada”. Na verdade, a menina sofria de mutismo. Mas não era um mutismo em que ocorrem tentativas de comunicação por gestos ou alguns escassos sons. O mutismo da menina era seletivo. Com exceção de seu pai e sua mãe, ela nunca havia falado com adultos. Com os colegas de classe ela interagia, brincava, fazia bagunça em aula. E falava. Falava muito. A ponto de receber anotações na caderneta endereçadas à mãe.

O início da análise da menina foi um desafio para mim. Além da recusa em falar, ela não queria estar ali. Aos poucos, e com muito manejo, a comunicação foi acontecendo. Certa vez, com a proximidade do Natal, durante a sessão e quase como um suspiro, ela me diz:
- Você não sabe o que eu tô pensando.
-Não, não sei. Mas você pode me falar.
E ela me pergunta:
- Você acredita em milagre?

O que me autorizo a narrar sobre esse atendimento, encerra aqui. Hoje me coloco frente à essa pergunta e digo: sim, eu acredito em milagre. Mas, sobretudo, acredito no milagre da superação, na perseverança e no trabalho feito com dedicação e cuidado.

Acredito também que nenhuma situação difícil que se esteja atravessando é definitiva. Ou que seja “coisa do destino”. A vida é dinâmica e é isso que faz dela um grande milagre.

Desejo à todos uma noite de Natal muito feliz. E que esse momento de paz e união seja o milagre de todos os dias.


21 de dezembro de 2009

"Espelho, espelho meu"




Em novembro de 2009 essa entrevista foi concedida à Rosane di Napoli para a revista Gossip Teen a respeito da anorexia, bulimia e, tão comentada na atualidade, drunkorexia. Muito esclarecedora. Leiam!

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17 de dezembro de 2009

Sofrimento psíquico do desempregado




Quando se fala em saúde subentende-se a manutenção de certos hábitos na vida cotidiana. Ginástica, alimentação adequada, um número razoável de horas de sono à noite. Mas o que dizer quando a condição psíquica é avassaladora? Além da questão financeira, repercussões graves surgem no mercado de trabalho e poucas são as empresas que de forma coerente 'desligam' seus funcionários. A situação do desempregado envolve questões legais e profissionais e muitos possuem, além da urgência, a insegurança de se lançarem no mercado exercendo uma função diferente.

A (des) ordem conjugal e/ou familiar compromete o desempenho escolar dos filhos que sofrem com o ambiente doméstico ou com mudanças inesperadas de colégio e consequente círculo de amizades. A necessidade de mudar de bairro ou cidade por conta de uma situação financeira incerta causa uma dificuldade de entrosamento em um novo grupo. O vazio existencial sofrido pelo desempregado é gerado por uma grande perda de auto estima, fragilidade financeira e a incerteza do mercado de trabalho. Sentimentos que irão refletir na dinâmica familiar. O parceiro pode sentir-se sobrecarregado e solitário com tantas responsabilidades. Todos são afetados.

Em outros casos, pessoas que durante anos dedicaram-se de forma exclusiva à profissão e abdicaram de um vínculo conjugal ou que por outras razões não conseguiram fortalecer seus laços familiares, mantendo seus vínculos mais fortes no ambiente de trabalho, sentem-se órfãs e desamparadas no momento em que são demitidas. 

O trabalho é via de acesso para o lugar que o sujeito vai ocupar na família e na sociedade levando-o a acreditar que será reconhecido se ele produzir. Os sentimentos de fracasso e exclusão afetam o desempregado em suas relações afetivas e, visto que o trabalho é uma forma de subjetivação e inserção social, a falta de reconhecimento dentro do meio em que vive pode vir a ocasionar doenças psicossomáticas.

Os que trabalham excessivamente, os chamados ‘workaholics’, tem papel social marcante, mas a preocupação sobre a saúde do desempregado ainda caminha lentamente.

Aqueles que sofrem psiquicamente com a situação de desemprego sentem-se comprometidos moralmente pela exclusão e dificuldade de uma nova colocação, porém o entendimento de ‘estar desempregado’ diz respeito à uma condição transitória e não é sinônimo de ‘não-ser trabalhador’.

10 de dezembro de 2009

O tímido



Costuma-se dizer que o tímido é aquele que não tem autoestima, não se valoriza. Ou que é antipático e não “se dá” com ninguém. Ou então não é muito inteligente, social, atraente... E, portanto, se retrai e não interage com o grupo. Com nenhum grupo. Alguns tímidos vivem uma realidade paralela com o mundo virtual. A internet cria uma nova modalidade de relacionamento que funciona ilusoriamente como facilitadora das relações e, na contra mão, potencializa a dificuldade do tímido.

Cada um tem suas próprias razões para justificar uma dificuldade, mas, de uma forma geral, o tímido sofre com a possibilidade de se expor, ser julgado e, nessa fantasia, condenado pelo ato mais inofensivo.

O medo transbordante se apresenta com palpitação, suor, rubor, calor, frio e, algumas vezes, desmaio. A exposição e a possibilidade de fracassar ou ser ridicularizado fazem com que o tímido mantenha-se engessado nessa condição. Sofrendo por antecipação, consegue criar fantasias em que se coloca de forma inferiorizada ou humilhante. Em geral possui um (a) amigo (a) que lhe serve de “contato com o mundo” evitando que iniciativas sejam tomadas e, portanto, situações de avaliação ou julgamento não ocorram.

Ele é capaz (e muito!) por conta de seu isolamento ter um grande conhecimento em assuntos variados e, no entanto, ser considerado aquém de suas reais possibilidades em virtude do seu recolhimento e do medo em ser percebido pelos outros. Quando em idade escolar tiram notas muito acima da média e alcançam excelentes colocações em vestibulares e concursos.
São os “nerds”.

Afirmar que o tímido é um covarde seria uma forma reducionista de perceber um conflito que pode evoluir para uma condição mais grave. Ele se resguarda porque já sofreu com a represália, o repúdio e sabe o quanto doeu e ainda dói mesmo que inconscientemente. Tudo aquilo retorna como algo conhecido e, então, trava uma guerra interna desejando dar um passo à frente sem conseguir. A psicanálise é um recurso que tenta desdobrar as diversas atitudes atribuídas à um sujeito atrelado em um mundo repleto de resistências.


7 de dezembro de 2009

Indicação de atendimento psicoterápico gratuito

Tenho recebido emails pedindo informações sobre clínicas de atendimento psicoterápico gratuito ou com preços reduzidos. No Rio de Janeiro indico em duas universidades:

Universidade Veiga de Almeida

Clínica de Psicologia (Tijuca)
Rua Ibituruna, 108
Vila Universitária - Casa 4
Tel: 2574-8898

Clínica de Psicologia (Barra)
Av General Felicíssimo Cardoso, 500
Tel: 3325-2333 ramal 146

PUC - Serviço de Psicologia Aplicada (SPA)
Rua Marques de São Vicente, 225
Gávea
Tel: 3527-1574

Em outras localidades recomendo que procurem os serviços de psicologia aplicada das universidades.
Boa sorte.

Brincadeira de pais e filhos

A idéia de que a brincadeira é essencial para o desenvolvimento ainda encontra resistência. O momento de brincar é fundamental no processo de desenvolvimento. A brincadeira constitui-se um importante espaço onde ocorrem trocas de informações onde é criado um mundo de ilusões e verdades por meio de símbolos vivenciando momentos de alegria, satisfações e angústias inomináveis. Nesse momento único a criança pode se desvelar e nessa experiência lúdica aprende a solucionar situações de conflito. O dimensionamento dessas questões cria a possibilidade de um adulto mais organizado, capaz de saber lidar com o inesperado, tratando com mais habilidade todo tipo de dificuldades. 

Neil Postman em seu livro ‘O desaparecimento da infância’ (Ed. Graphia, 1998) sustenta a tese de que as crianças nos dias atuais estejam perdendo a espontaneidade de brincar livremente. De fato com a imposição consumista do mundo cibernético, as crianças encontram dificuldade para brincarem e serem, eles mesmos, os ‘agentes’ e inventores de suas próprias fantasias. A infância não está desaparecendo. Com incentivo do meio em que vive, a grande maioria das crianças é capaz de exercitar sua capacidade de apreender a noção de posse do objeto, a introjeção de valores fundamentais e sentimentos de frustração, perdas e conseqüente superação. 

O atual estilo de vida provoca um término prematuro da infância. Deixa-se de ser criança mais cedo. O acesso à todo tipo de informação, desnecessária à tenra idade, a possibilidade eletrônica do brincar e a ameaça urbana impedindo a ‘brincadeira de rua’ não somente aprisionam a criança em seu território doméstico, como também subjetivamente criando entraves em seu desenvolvimento. A dificuldade dos pais em conciliar horários, tarefas e partir, então, para a brincadeira com os filhos, cria uma distância onde um não se reconhece no olhar do outro. A criança acaba desenvolvendo recursos próprios ou sai em busca de um auxílio externo, fazendo com que o abismo fique ainda maior na relação com os pais. Tornar o escasso convívio em momento de alegria é extremamente importante no universo psíquico da criança, mas à essa vivência devem ser agregados os questionamentos próprios de cada idade.

4 de dezembro de 2009

Você tem resiliência?



O termo vem da Física e, segundo o dicionário Aurélio, consiste na propriedade pela qual a energia armazenada em um corpo deformado é devolvida quando cessa a tensão causadora de uma deformação elástica. Ou seja, o material volta à sua forma original depois da tensão sofrida.



Em psicologia é a capacidade de superação e crescimento mesmo diante da adversidade. Sempre conhecemos alguém que trabalha e mesmo assim vive em um orçamento apertado, outro cria filhos sozinho, enfrenta falência, desemprego, doença e ainda assim parecem estar bem e conseguem ultrapassar obstáculos.

Resiliência não diz respeito a um trauma maior ou menor, pois isso criaria uma escala de sofrimento. E dor não se quantifica. Algumas pessoas resistem à morte de um filho e, no entanto, outras dão fim a própria vida quando são demitidas do trabalho. Portanto, resiliência diz respeito a uma reflexão sofre a vida no momento de um trauma.

O sofrimento é inevitável, porém a capacidade de enfrentar as questões é que permite a superação de um trauma.

Os primeiros anos de vida podem definir a capacidade resiliente. O ambiente em que a criança vive determina as condições futuras de um adulto confiante, pronto a superar dificuldades e criativo no que se refere a alternativas quando tudo parece não acontecer como esperado.

A criança que recebe de seus pais uma resposta favorável diante das adversidades e insucessos prossegue confiante em seu desenvolvimento. Esse não é o caso de ser condescendente com atitudes antisociais como furtos, transgressões morais ou excessos de vontades satisfeitas. Importante também ressaltar que o conceito de família diz respeito ao meio social em que a criança estava inserida. Um abrigo infantil filiado à uma ONG ou uma família que recebe a criança por um longo período, muitas vezes proporciona um acolhimento bastante diferente da família de origem de uma criança que tenha sofrido violência e maus tratos, por exemplo. O mesmo acontece com crianças órfãs que dividem o mesmo espaço com cuidadores responsáveis. Mas essas condições nem sempre estão presentes. 

Alguns conseguem superar as dificuldades e restaurar simbolicamente uma família perfeita com seus recursos internos, independente das adversidades familiares e sociais. E nessa tentativa de superação não há espaço para o papel de vitima e descobre-se, então, forças para reagir negando a si mesmo o sofrimento que lhe é infligido. Um excesso de humor frente às dificuldades, também é uma forma de tentar modificar o próprio cenário, criando condições para enfrentar o mundo e preservar a própria imagem .

Portanto os fatores que criam condições para que o sujeito tenha resiliência possui tanta plasticidade quanto o próprio conceito.

Acredito que a eureca para ser resiliente consiste em uma só competência. Criatividade. Ter jogo de cintura para sair do impasse, do sofrimento e da dúvida. Encontrar novas maneiras de lidar com situações difíceis e se reorganizar.

O mais importante é saber que por trás de um conceito nobre e de toda essa potência humana pode existir um sujeito destruído emocionalmente. Mas que tenta se superar e traçar uma nova história.