Tempos
atrás atendi uma paciente de 10 anos que, segundo sua mãe, era “muito tímida”.
Suas professoras me alertaram, “ela é muito fechada”. Na verdade, a menina
sofria de mutismo. Mas não era um mutismo em que ocorrem tentativas de comunicação
por gestos ou alguns escassos sons. O mutismo da menina era seletivo. Com
exceção de seu pai e sua mãe, ela nunca havia falado com adultos. Com os
colegas de classe ela interagia, brincava, fazia bagunça em aula. E falava.
Falava muito. A ponto de receber anotações na caderneta endereçadas à mãe.
O
início da análise da menina foi um desafio para mim. Além da recusa em falar,
ela não queria estar ali. Aos poucos, e com muito manejo, a comunicação foi
acontecendo. Certa vez, com a proximidade do Natal, durante a sessão e quase
como um suspiro, ela me diz:
-
Você não sabe o que eu tô pensando.
-Não,
não sei. Mas você pode me falar.
E
ela me pergunta:
-
Você acredita em milagre?
O
que me autorizo a narrar sobre esse atendimento, encerra aqui. Hoje me coloco
frente à essa pergunta e digo: sim, eu acredito em milagre. Mas, sobretudo, acredito
no milagre da superação, na perseverança e no trabalho feito com dedicação e
cuidado.
Acredito
também que nenhuma situação difícil que se esteja atravessando é definitiva. Ou
que seja “coisa do destino”. A vida é dinâmica e é isso que faz dela um grande
milagre.
Desejo
à todos uma noite de Natal muito feliz. E que esse momento de paz e união seja
o milagre de todos os dias.
Em novembro de 2009 essa entrevista foi concedida à Rosane di Napoli
para a revista Gossip Teen a respeito da anorexia, bulimia e, tão
comentada na atualidade, drunkorexia. Muito esclarecedora. Leiam!
Quando
se fala em saúde subentende-se a manutenção de certos hábitos na vida
cotidiana. Ginástica, alimentação adequada, um número razoável de horas de sono
à noite. Mas o que dizer quando a condição psíquica é avassaladora? Além da
questão financeira, repercussões graves surgem no mercado de trabalho e poucas
são as empresas que de forma coerente 'desligam' seus funcionários. A situação
do desempregado envolve questões legais e profissionais e muitos possuem, além
da urgência, a insegurança de se lançarem no mercado exercendo uma função
diferente.
A
(des) ordem conjugal e/ou familiar compromete o desempenho escolar dos filhos
que sofrem com o ambiente doméstico ou com mudanças inesperadas de colégio e
consequente círculo de amizades. A necessidade de mudar de bairro ou cidade por
conta de uma situação financeira incerta causa uma dificuldade de entrosamento
em um novo grupo. O vazio existencial sofrido pelo desempregado é gerado por
uma grande perda de auto estima, fragilidade financeira e a incerteza do mercado
de trabalho. Sentimentos que irão refletir na dinâmica familiar. O parceiro
pode sentir-se sobrecarregado e solitário com tantas responsabilidades. Todos
são afetados.
Em
outros casos, pessoas que durante anos dedicaram-se de forma exclusiva à profissão
e abdicaram de um vínculo conjugal ou que por outras razões não conseguiram
fortalecer seus laços familiares, mantendo seus vínculos mais fortes no
ambiente de trabalho, sentem-se órfãs e desamparadas no momento em que são
demitidas.
O
trabalho é via de acesso para o lugar que o sujeito vai ocupar na família e na
sociedade levando-o a acreditar que será reconhecido se ele produzir. Os
sentimentos de fracasso e exclusão afetam o desempregado em suas relações
afetivas e, visto que o trabalho é uma forma de subjetivação e inserção social,
a falta de reconhecimento dentro do meio em que vive pode vir a ocasionar
doenças psicossomáticas.
Os
que trabalham excessivamente, os chamados ‘workaholics’, tem papel social
marcante, mas a preocupação sobre a saúde do desempregado ainda caminha
lentamente.
Aqueles
que sofrem psiquicamente com a situação de desemprego sentem-se comprometidos
moralmente pela exclusão e dificuldade de uma nova colocação, porém o
entendimento de ‘estar desempregado’ diz respeito à uma condição transitória e
não é sinônimo de ‘não-ser trabalhador’.
Costuma-se
dizer que o tímido é aquele que não tem autoestima, não se valoriza. Ou que
é antipático e não “se dá” com ninguém. Ou então não é muito inteligente,
social, atraente... E, portanto, se retrai e não interage com o grupo. Com
nenhum grupo. Alguns tímidos vivem uma realidade paralela com o mundo virtual.
A internet cria uma nova modalidade de relacionamento que funciona
ilusoriamente como facilitadora das relações e, na contra mão, potencializa a
dificuldade do tímido.
Cada
um tem suas próprias razões para justificar uma dificuldade, mas, de uma forma
geral, o tímido sofre com a possibilidade de se expor, ser julgado e, nessa
fantasia, condenado pelo ato mais inofensivo.
O
medo transbordante se apresenta com palpitação, suor, rubor, calor, frio e,
algumas vezes, desmaio. A exposição e a possibilidade de fracassar ou ser
ridicularizado fazem com que o tímido mantenha-se engessado nessa condição.
Sofrendo por antecipação, consegue criar fantasias em que se coloca de forma
inferiorizada ou humilhante. Em geral possui um (a) amigo (a) que lhe serve de
“contato com o mundo” evitando que iniciativas sejam tomadas e, portanto,
situações de avaliação ou julgamento não ocorram.
Ele
é capaz (e muito!) por conta de seu isolamento ter um grande conhecimento em
assuntos variados e, no entanto, ser considerado aquém de suas reais
possibilidades em virtude do seu recolhimento e do medo em ser percebido pelos
outros. Quando em idade escolar tiram notas muito acima da média e alcançam
excelentes colocações em vestibulares e concursos.
São
os “nerds”.
Afirmar
que o tímido é um covarde seria uma forma reducionista de perceber um conflito
que pode evoluir para uma condição mais grave. Ele se resguarda porque já
sofreu com a represália, o repúdio e sabe o quanto doeu e ainda dói mesmo que
inconscientemente. Tudo aquilo retorna como algo conhecido e,
então, trava uma guerra interna desejando dar um passo à frente sem conseguir.A
psicanálise é um recurso que tenta desdobrar as diversas atitudes atribuídas à
um sujeito atrelado em um mundo repleto de resistências.
Tenho recebido emails pedindo informações sobre clínicas de atendimento psicoterápico gratuito ou com preços reduzidos. No Rio de Janeiro indico em duas universidades:
Universidade Veiga de Almeida
Clínica de Psicologia (Tijuca) Rua Ibituruna, 108 Vila Universitária - Casa 4 Tel: 2574-8898 Clínica de Psicologia (Barra) Av General Felicíssimo Cardoso, 500 Tel: 3325-2333 ramal 146
PUC - Serviço de Psicologia Aplicada (SPA) Rua Marques de São Vicente, 225 Gávea Tel: 3527-1574
Em outras localidades recomendo que procurem os serviços de psicologia aplicada das universidades. Boa sorte.
A idéia de que a brincadeira é essencial para o desenvolvimento ainda encontra resistência. O momento de brincar é fundamental no processo de desenvolvimento. A brincadeira constitui-se um importante espaço onde ocorrem trocas de informações onde é criado um mundo de ilusões e verdades por meio de símbolos vivenciando momentos de alegria, satisfações e angústias inomináveis. Nesse momento único a criança pode se desvelar e nessa experiência lúdica aprende a solucionar situações de conflito. O dimensionamento dessas questões cria a possibilidade de um adulto mais organizado, capaz de saber lidar com o inesperado, tratando com mais habilidade todo tipo de dificuldades.
Neil Postman em seu livro ‘O desaparecimento da infância’ (Ed. Graphia, 1998) sustenta a tese de que as crianças nos dias atuais estejam perdendo a espontaneidade de brincar livremente. De fato com a imposição consumista do mundo cibernético, as crianças encontram dificuldade para brincarem e serem, eles mesmos, os ‘agentes’ e inventores de suas próprias fantasias. A infância não está desaparecendo. Com incentivo do meio em que vive, a grande maioria das crianças é capaz de exercitar sua capacidade de apreender a noção de posse do objeto, a introjeção de valores fundamentais e sentimentos de frustração, perdas e conseqüente superação.
O atual estilo de vida provoca um término prematuro da infância. Deixa-se de ser criança mais cedo. O acesso à todo tipo de informação, desnecessária à tenra idade, a possibilidade eletrônica do brincar e a ameaça urbana impedindo a ‘brincadeira de rua’ não somente aprisionam a criança em seu território doméstico, como também subjetivamente criando entraves em seu desenvolvimento. A dificuldade dos pais em conciliar horários, tarefas e partir, então, para a brincadeira com os filhos, cria uma distância onde um não se reconhece no olhar do outro. A criança acaba desenvolvendo recursos próprios ou sai em busca de um auxílio externo, fazendo com que o abismo fique ainda maior na relação com os pais. Tornar o escasso convívio em momento de alegria é extremamente importante no universo psíquico da criança, mas à essa vivência devem ser agregados os questionamentos próprios de cada idade.
O
termo vem da Física e, segundo o dicionário Aurélio, consiste na propriedade
pela qual a energia armazenada em um corpo deformado é devolvida quando cessa a
tensão causadora de uma deformação elástica. Ou seja, o material volta à sua
forma original depois da tensão sofrida.
Em
psicologia é a capacidade de superação e crescimento mesmo diante da
adversidade. Sempre conhecemos alguém que trabalha e mesmo assim vive em um
orçamento apertado, outro cria filhos sozinho, enfrenta falência, desemprego,
doença e ainda assim parecem estar bem e conseguem ultrapassar obstáculos.
Resiliência
não diz respeito a um trauma maior ou menor, pois isso criaria uma escala de
sofrimento. E dor não se quantifica. Algumas pessoas resistem à morte de um
filho e, no entanto, outras dão fim a própria vida quando são demitidas do
trabalho. Portanto, resiliência diz respeito a uma reflexão sofre a vida no momento
de um trauma.
O sofrimento é inevitável,
porém a capacidade de enfrentar as questões é que permite a superação de um trauma.
Os primeiros anos de vida podem definir a capacidade resiliente. O ambiente em que a criança vive determina as condições futuras de um adulto confiante, pronto
a superar dificuldades e criativo no que se refere a alternativas quando tudo
parece não acontecer como esperado.
A
criança que recebe de seus pais uma resposta favorável diante das adversidades
e insucessos prossegue confiante em seu desenvolvimento. Esse não é o caso de
ser condescendente com atitudes antisociais como furtos, transgressões morais
ou excessos de vontades satisfeitas. Importante também ressaltar que o conceito
de família diz respeito ao meio social em que a criança estava inserida. Um
abrigo infantil filiado à uma ONG ou uma família que recebe a criança por um
longo período, muitas vezes proporciona um acolhimento bastante diferente da família
de origem de uma criança que tenha sofrido violência e maus tratos, por exemplo. O mesmo
acontece com crianças órfãs que dividem o mesmo espaço com cuidadores
responsáveis. Mas essas condições nem sempre estão presentes.
Alguns conseguem
superar as dificuldades e restaurar simbolicamente uma família perfeita com seus recursos internos, independente das adversidades familiares e sociais. E nessa tentativa de superação não há espaço para o papel
de vitima e descobre-se, então, forças para reagir negando a si mesmo o
sofrimento que lhe é infligido. Um excesso de humor frente às dificuldades,
também é uma forma de tentar modificar o próprio cenário, criando condições
para enfrentar o mundo e preservar a própria imagem .
Portanto os fatores que criam
condições para que o sujeito tenha resiliência possui tanta plasticidade quanto
o próprio conceito.
Acredito
que a eureca para ser resiliente consiste em uma só competência. Criatividade. Ter
jogo de cintura para sair do impasse, do sofrimento e da dúvida. Encontrar
novas maneiras de lidar com situações difíceis e se reorganizar.
O
mais importante é saber que por trás de um conceito nobre e de toda essa
potência humana pode existir um sujeito destruído emocionalmente. Mas que tenta
se superar e traçar uma nova história.